Sociedade Nacional de Belas Artes uma instituição ao serviço das artes
Sociedade Nacional de Belas Artes uma instituição ao serviço das artes
A Sociedade Nacional de Belas Artes é a associação artística mais antiga e representativa de Portugal. Fundada em 1901, teve origem anterior, na fusão do Grémio Artístico, de Silva Porto e do seu Grupo do Leão (de 1891), com a Sociedade Promotora de Belas Artes, originária, por sua vez, na Academia, em 1861, e primeiro presidida pelo Marquês Sousa Holstein. A sua sede, desenhada pelo Arq. Álvaro Machado, inaugurada em 1913, oferece um grande “Salon” à francesa, de 50m por 15m, único na península ibérica, sendo a concretização do sonho dos primeiros ar-livristas regressados de Paris e de Barbizon, no final do século XIX.
Aqui se afirmaram sucessivas gerações, desde os representantes do romantismo – Tomás da Anunciação, Visconde de Menezes, Assis Rodrigues, Victor Bastos, João Cristino, Miguel Lupi, Alfredo Keil, passando depois pelos paisagistas, liderados pelo exemplo de Silva Porto: Columbano, José Malhoa, João Vaz, Rafael Bordalo Pinheiro, António Ramalho.
À geração imediata, de Veloso Salgado, Ressano Garcia, Alves Cardoso, Benvindo Ceia, Costa Mota (tio), Rosendo Carvalheira, juntar-se-ão Carlos Reis, Roque Gameiro, Jorge Colaço, Teixeira Lopes, João da Silva, e outros. Em 1920 a SNBA conta também com muitos sócios não artistas: comerciantes, músicos, poetas, entusiastas das artes. O ambiente é eclético, onde aulas diurnas e noturnas funcionam juntamente com as mesas de bilhar e alternam com os bailes e os eventos festivos. Aqui mestres como Malhoa, Veloso Salgado, Columbano, Carlos Reis, Condeixa, Roque Gameiro, Mário Augusto, disponibilizam as suas aulas aos sócios, numa tradição mantida de resto sem interrupções até hoje, nos Cursos de Formação Artística da SNBA.
Em 1920 surge a “questão dos novos,” uma nova geração cuja entrada como associados é barrada. São mais de 100 onde se contam os “Cinco Independentes,” que conseguirão enfim expor em 1923 (Dordio Gomes, Henrique Franco, Francisco Franco, Diogo de Macedo, Alfredo Migueis) e que deixarão o convite a Eduardo Viana, Almada Negreiros, Milly Possoz, de modo a tentarem desagravar o bloqueio de Adães Bermudes e da sua direção. Nesta corrente dos novos também se podem associar, Mário Eloy, Lino António e ainda publicistas como António Ferro, entre muitos outros recusados. Como compromisso e inovação, em 1925 é organizado, por Eduardo Viana, o 1º Salão D’Outono, contrapondo-se ao tradicional Salão anual, de Primavera, que permanece o mais académico. Assim expõem Francis Smith, Emérico Nunes, António Soares, Jorge Barradas, Clementina Carneiro de Moura, Manoel Jardim, Sára Affonso e muitos outros, incluindo arquitetos com os seus projetos (como Carlos Ramos, Cristino da Silva, José Pacheco, Jorge Segurado).
Em 1930 e 1931 têm lugar os dois Salões dos Independentes, de António Pedro, com Arlindo Vicente, Mário Eloy, Mário Novais, Carlos Botelho e a que se juntam Leopoldo de Almeida, Canto da Maia, Barata Feyo, António Duarte, Roque Gameiro, João Carlos, Hein Semke, Clementina Carneiro de Moura, Júlio Reis Pereira, os arq. Jorge Segurado, Carlos Ramos – e Maria Helena Vieira da Silva. São deste período as aulas do “Curso Livre e Preparatório” visando ampliar o acesso às Escolas de Belas Artes.
Já no Estado Novo, em paralelo, também se realizam na SNBA as duas primeiras exposições do Secretariado Nacional de Informação, dirigido por António Ferro, em 1935 e 1936. O então ministro da propaganda aqui anuncia, em jantar para artistas, a nova “Política do Espírito.”
Mas logo a alternativa se manifesta e, em 1940, é recebida a grande exposição de Abel Salazar e, em 1945, são aqui estabelecidas as bases para uma plataforma de intervenção cívica e artística: o CEJAD / MUD, que proporciona a estrutura renovadora das famosas Exposições Gerais de Artes Plásticas, auto-organizadas anualmente entre 1946 e 1956, num total de 10, todos os anos, – à exceção de 1952, ano em que a SNBA foi encerrada pelo Estado Novo – abrindo muitas delas simbolicamente no 1º de maio. Expõem-se mensagens de combate ao analfabetismo, de apelo ao recenseamento, ao voto, nos cartazes de artes gráficas, expostos, e enceta-se na pintura e no desenho a denúncia estética e programática contida no neo-realismo – sistematizado por Júlio Pomar, Mário Dionísio, Manuel Filipe, Ribeiro de Pavia, Arco, Álvaro Perdigão, Maria Keil, Keil do Amaral, Vespeira, António Domingues, José Dias Coelho, Huertas Lobo, Júlio, Dourdil, Rudy, Manuel Filipe, Manuel Mendes, Ribeiro de Pavia, Betâmio, Vasco da Conceição, Maria Barreira, Louro de Almeida, Clementina Carneiro de Moura, a que se juntam Arlindo Vicente, Sena da Silva, Euclides Vaz, Augusto Gomes, Cândido Costa Pinto, Carlos Botelho, Celestino de Castro, Avelino Cunhal, Domingos Saraiva, e também os antigos republicanos desde sempre ligados à SNBA: João da Silva, Falcão Trigoso, António Saúde, António Conceição Silva, Anjos Teixeira, e a que se somarão ao longo dos anos, muitos outros artistas e arquitetos, como Francisco Castro Rodrigues, Francisco Keil, ambos de grande importância neste movimento. Também nas EGAP participam os arquitetos Alberto Pessoa, Ernâni Soares Nunes, Daciano, Francisco da Conceição Silva, Frederico George, Manuel Tainha, Formosinho Sanchez, e os artistas mais jovens, como Nikias Skapinakis, Charrua, Hogan, Rogério Ribeiro, João Abel Manta, Victor Manaças, Vítor Palla, Sá Nogueira, Lima de Freitas, José Viana, Frederico George, Carlos Calvet, Tossan, Sebastião Rodrigues, António Alfredo, António Quadros, Artur Bual, Fernando Lanhas, Bartolomeu Cid, Eduardo Luís, Relógio, Lagoa Henriques, Leopoldo de Almeida, Lourdes Castro, Mário Henrique Leiria, Demée, Nuno San Payo, Paulo D’Eça Leal, Querubim Lapa, entre toda uma geração de escultores, pintores, arquitectos, fotógrafos e desenhadores gráficos.
Em janeiro de 1947 o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, liderado por Maria Lamas, organiza na SNBA um “Salão de exposição de livros escritos por mulheres,” com 3.000 livros de todo mundo, filmes e conferências – a exposição que de certo modo preludia a extinção deste movimento pelo Estado Novo, e fundado mais de trinta anos antes por Adelaide Cabete (em 1914).
Ainda em 1947, na II Exposição Geral de Artes Plásticas, o Ministério do Interior seleciona e apreende 11 pinturas neo-realistas de 10 artistas, consideradas politicamente inaceitáveis pelo regime.
Prepara-se, nas EGAP, o que será o primeiro Congresso Nacional de Arquitetura, em 1948, com Cotinelli Telmo, Pardal Monteiro, Miguel Jacobetty e o contributo dos novos, e a subscrição da Carta de Atenas, de Le Corbusier.
Também na SNBA se originam e cindem os grupos surrealistas, o primeiro, de 1948, com António Pedro, António Dacosta, Alexandre O’Neil, Fernando de Azevedo, Vespeira, Moniz Pereira e José-Augusto França, e o segundo, de Cesariny, Cruzeiro Seixas, Mário Henrique Leiria, António Maria Lisboa, Carlos Calvet.
Em abril de 1952 dá-se o encerramento sine die da SNBA pelo Estado Novo, resultado do enfrentamento de Eduardo Malta ao jovem escultor José Dias Coelho, – este último seria mais tarde assassinado na rua, pela PIDE, em 1961. Consegue-se resgatar e reabrir a SNBA após a intervenção do pintor António Conceição Silva, já de 83 anos, e de alguns sócios fundadores ainda vivos e interventivos.
Em 1956 José-Augusto França organiza o I Salão dos Artistas Hoje, iniciando um percurso único de crítico e historiador. Em 1959 realizou-se a exposição ‘50 Artistas Independentes’ de Conceição Silva, Fernando Azevedo, João Abel Manta, Jorge Vieira, Júlio Pomar, Vespeira, no contexto da candidatura de Humberto Delgado à presidência da República, e reúne a geração seguinte: Alice Jorge, António Charrua, António Areal, Bartolomeu Cid dos Santos, Carlos Calvet, Fernando Azevedo, Francisco Relógio, João Abel Manta, João Cutileiro, João Hogan, Joaquim Rodrigo, Jorge Vieira, José Escada, José Júlio, Júlio Pomar, Lima de Freitas, Manuel Baptista, Menez, Nikias Skapinakis, Querubim Lapa, Sá Nogueira, Rui Filipe, Vespeira.
Também aqui ocorre, em 1957 a I exposição da nova Fundação Gulbenkian, com grande impacto na imprensa e na sociedade em geral (“345 contos de prémios”). Também a exposição “Arte Britânica do Século XX” (1962) será marcante na abertura ao exterior.
O grupo KWY de Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, Escada e João Vieira, com Christo e Jan Voss, expõe em 1960. Em 1965, os Cursos de Formação Artística são renovados, iniciando-se o ensino do Design e da Sociologia da Arte, por exemplo, com a participação de personalidades marcantes do nosso meio artístico como Rolando Sá Nogueira, Manuel Tainha, Sena da Silva, Daciano Costa, José Cândido, Fernando Conduto, Rocha de Sousa, Quintino Sebastião, e os historiadores e ensaístas José-Augusto França, Ferreira de Almeida, José Blanc de Portugal, Ernesto de Sousa, Adriano de Gusmão, Santos Simões, Rui Mário Gonçalves, e outros valores da arte e da cultura nacionais.
Aqui tiveram origem a Associação dos Arquitetos Portugueses e a futura Ordem dos Arquitetos, a Associação dos Designers, e a Secção Portuguesa da AICA, podendo referir-se também os Cineclubes (o Jardim Universitário de Belas Artes – JUBA – de Guilherme Filipe e José-Augusto França), as sessões musicais de Fernando Lopes Graça, e os grupos de teatro que aqui foram recebidos.
Também em 1965, na Presidência do Arq. Conceição Silva, é criada a pequena Galeria de Arte Moderna, na cave, sala experimental onde se irão revelar muitos valores internacionais: Arshile Gorky, Paula Rego, Hogan, Nikias, Victor Belém, Helena Almeida, Charrua, Espiga Pinto, Maria Velez, Eduardo Nery, João Fragoso, MAN, Nuno de Siqueira, António Sena, Fernando Calhau, Carlos Ferreiro, Miguel Arruda, Guilherme Parente, Isabel Laginhas, Graça Antunes, Eduardo Gageiro, Noronha da Costa, Artur Rosa, Rocha de Sousa, Hilário, Pires Vieira, a que se seguirão Mário Botas, Maria Gabriel, Manuel Casimiro, Teresa Magalhães, Raul Perez, Ana Marchand, Carlos Carreiro, António Viana, Cutileiro, Graça Morais, Jorge Molder, Jaime Silva, Luís Camacho, Rocha Pinto, Quadros Ferreira, Pedro Chorão, João Duarte, alguns destes artistas também acolhidos na Galeria do primeiro andar.
Em 1970 Arlindo Vicente expõe em retrospetiva, e em 1972 expõem Lima de Freitas e António Trindade, para depois se apresentar a exposição AICA SNBA 1972, que propõe um renovado discurso crítico, de Fernando Pernes, Rocha de Sousa e de Rui Mário Gonçalves.
Em 1973 realizou-se a exposição 26 Artistas de Hoje, um conjunto de artistas distinguidos pelos Prémios Soquil. Em dezembro, na “Exposição 73” o soldado jacente, ‘Jaz Morto e Arrefece’ de Clara Menéres. Na inauguração, a performance de João Vieira, envolvendo uma mulher nua pintada de dourado.
Também nos anos 70 serão marcantes as exposições do grupo Puzzle (Armando Azevedo, Albuquerque Mendes, Carlos Carreiro, Dario Alves, Graça Morais, Jaime Silva, João Dixo, Pedro Rocha, Gerardo Burmester e Fernando Pinto-Coelho), a exposição ‘Artistas Portuguesas’, organizada por Clara Menéres, Emília Nadal, Sílvia Chicó, e com Paula Rego, Graça Morais, Ana Hatherly, Ana Vieira, Menez, Maria Velez, Alice Jorge. Ainda outras exposições, as ‘Mitologias locais,’ ‘O papel como suporte,’ ‘O erotismo na arte portuguesa’, ou as grandes exposições individuais de Helena Almeida, em 1972 e em 1976.
No começo da década de 80 aqui apresentam as suas exposições de fotografia Luís Pavão, Jorge Molder, Manuel Magalhães. Em 1983 aqui ocorre a grande exposição multidisciplinar e programática “Depois do modernismo” concebida por Luís Serpa, e co-organizada por Manuel Graça Dias, Leonel Moura, António Cerveira Pinto, envolvendo, para além das artes visuais e da arquitetura, o design, a moda, e a dança.
A exposição “Arquipélago,” em 1985, de Pedro Cabrita Reis, Pedro Calapez, Pedro Croft, Rui Sanches e, posteriormente, a “Continentes: V exposição homeostética,” em 1986, com Pedro Portugal, Pedro Proença, Fernando Brito, Ivo, Xana e Manuel João Vieira marcam o período de afirmação de uma geração. Também é desta época a coletiva “Novas Tendências do desenho,” em 1986, comissariada por Michel Toussaint.
Outras propostas surgem, já pelos anos sequentes, em 1990: “Sete Pecados Capitais,” com Miguel Branco, João Queiroz, Jorge Varanda, Jaime Lebre, Gonçalo Ruivo, Helena Pinto e José António Cardoso, e em 1994 o “Independent Worm Saloon,” com curadoria de Alexandre Estrela e de Rui Toscano. Na mesma linha de produção multimédia, em 2003, a exposição de Vasco Araújo, no Salão, “Sabine/Brunilde”.
Nos últimos anos a SNBA tem vindo a convocar artistas contemporâneos a nível internacional através de parcerias mobilizadoras: a Feira de Galerias de Desenho “Drawing Room,” a par de exposições individuais marcantes como Maria José Oliveira (2017) Pedro Saraiva (2018), João Jacinto (2019), Isabel Sabino (2019), a que se junta uma crescente aproximação a novos públicos, com a feira dos Antiquários, ou a participação nas exposições da Monstra (de cinema de animação), da Academia Portuguesa de Cinema, do New Art Fest, ou do prémio internacional “Navigator Art on Paper.”
Também se revalorizam os alicerces artísticos com grandes exposições como “Os 500 desenhos de Silva Porto” ou “João da Silva: o escultor Animalista,” já em 2020, ou, nos anos anteriores, com a retrospetivas de Francisco de Aquino, Joaquim Palencia, Manuel Ribeiro de Pavia, Menez e Ruy Leitão, Miguel D’Alte, e Betâmio d’Almeida.
A SNBA viu reconhecido o seu contributo para a sociedade ao ser condecorada Membro-Honorário da Ordem do Infante D. Henrique (1983), e membro honorário da Ordem da Liberdade (em 2004).
João Paulo Queiroz, 2020